Apenas pensamentos soltos que faço por unir de maneira que façam algum sentido ao serem lidos, também irei incluir o que na minha perspectiva considerar interessante.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
A natureza do sofrimento
O sofrimento aumenta a nossa força interior. - SS Dalai Lama
Sete dias após ter atingido a Iluminação, Buddha fez o seu primeiro sermão onde transmitiu os ensinamentos fundamentais do Budismo: as Quatro Nobres Verdades. São elas:
1. O sofrimento existe.
2. O sofrimento tem as suas causas.
3. É possível eliminar estas causas.
4. Existe um caminho para as eliminar.
Elas são semelhantes a uma receita médica: diagnosticam a doença, a causa dessa doença, o remédio para a curar e a prescrição de como o tomar. Para crescermos espiritualmente, iremos praticar estas Quatro Verdades como um método que nos ajudará a superar a limitada ideia que temos sobre nós mesmos e a abrirmos o nosso coração para comunicarmos verdadeiramente com o outro.
A primeira nobre verdade: “O sofrimento existe”
A primeira nobre verdade refere-se à existência do sofrimento. A realidade do sofrimento é denominada pela palavra dukkha, em Pali (antigo sânscrito) que, além de sofrimento, também significa imperfeição, impermanência, vazio, insubstancialidade.
Este é o ponto inicial da estrutura lógica do Budismo: a constatação da existência do sofrimento e de que todos os seres estão sujeitos a ele. No entanto, o Budismo não é uma filosofia derrotista, nem pessimista. Ele ensina-nos que podemos despertar a nossa sabedoria intuitiva para não sofrer com o sofrimento.
A nossa tendência, em geral, é negar a marca de sofrimento humano. Sentimo-nos “traídos” pelo destino quando temos que lidar com as separações, com a doença, com a morte ou mesmo com o envelhecimento. Encaramos estes processos com indignação, isto é, como se não fosse justo nem correcto sofrer! No entanto, se não houvesse sofrimento, não seria preciso buscar a sabedoria. Ela não seria necessária, e, portanto, raramente seria atingida.
É a consciência do sofrimento que gera a energia da sabedoria, não o sofrimento em si mesmo. Sofrer sem sabedoria é acumular mais confusão e dor. A dor, em si, não purifica nada. Por isso, se diz: “Isso com o tempo passa.”, o que não é verdadeiro para quem sofre de uma dor não compreendida. Para nos libertarmos do sofrimento temos, também, que despertar o desejo profundo de nos desapegarmos dele.
Podemos abraçar o sofrimento com a intenção de o transformar em autoconhecimento e sabedoria. Como escreve Pema Chödrön no seu livro "Os lugares que nos assustam": “Aceitar que a dor é inerente à vida e viver as nossas vidas a partir dessa compreensão é criar as causas e condições para a felicidade."
Segundo o Budismo, existem três tipos de sofrimento:
1. Sofrimento ordinário (ou sofrimento do sofrimento)
Existem duas formas de sofrimento ordinário: o sofrimento intrínseco à vida consciente e o sofrimento causado pelas tentativas de o evitar e fugir dele. O sofrimento intrínseco à vida consciente é expresso na tristeza: uma sensação de vazio decorrente da falta de um sentido para a vida.
O sofrimento ordinário é próprio da vida humana: todas as formas de sofrimento físico e mental relacionadas ao nascimento, ao envelhecimento, à doença e à morte, assim como estar ligado ao que se detesta, estar separado do que se ama e não realizar o que se deseja. Por isso, este tipo de sofrimento também pode ser chamado de sofrimento do sofrimento: quando algo que nos causa dor surge como causa para desencadear mais dor.
Quando uma coisa má acontece logo após outra, e as situações vão "de mal a pior", podemos achar que estes são momentos de azar, mas, na realidade, eles expressam algo bem mais fundamental: a nossa própria impotência frente à realidade imediata. E quando estamos impotentes, não temos saída senão aceitar as coisas como se dão. Essa é a grande sabedoria que as situações de sofrimento contínuo têm para nos ensinar.
2. Sofrimento produzido por mudança
O sofrimento produzido por mudança é expresso na busca de prazeres e de estados de alegria transitórios, que levam a mais sofrimento pela sua natureza provisória e inconsistente.
Esse tipo de sofrimento também ocorre quando nos recusamos a admitir a natureza impermanente da vida. Apesar de intelectualmente sabermos que tudo muda constantemente e de modo imprevisível, emocionalmente lutamos para aceitar esta verdade. Ao fazermos isso, sentimo-nos inseguros, nada nos parece confiável e tudo se torna insatisfatório para nós.
A realidade externa é, por natureza, incerta, portanto, não podemos ter garantias em relação a ela. A pessoa insegura é justamente aquela que busca controlar a realidade externa. A pessoa segura é aquela que aceita a sua insegurança.
Ao conviver com mestres budistas, passei a notar uma forte característica comum a todos eles: eles vivem a vida, ao invés de a tentar controlar.
3. Sofrimento que a tudo permeia
O sofrimento que a tudo permeia é constante, porém subtil.
Na maior parte do tempo, lutamos contra a realidade da existência do sofrimento. Buscamos desesperadamente “dicas” para driblá-lo, na esperança de que seja possível evitá-lo. Mas a Primeira Nobre Verdade ensina-nos que nada disso adianta: enquanto houver ignorância, haverá sofrimento.
É preciso encarar o sofrimento para o eliminar. Encarar aqui não significa desafiar, e sim, simplesmente pôr-se diante dele para conhecer a sua natureza, sem o julgar como justo ou injusto.
O que intensifica a dor de um sofrimento é o sentimento de indignação frente a ele, ou seja, é a nossa exasperação diante do sofrimento que faz com que ele aumente e tome conta de todo o nosso ser.
Tudo isso quer nos dizer: pare de lutar contra a realidade. Não resista ao que está, objectivamente, ocorrendo.
É como a enxaqueca, por exemplo: precisamos de nos isolar, tomar um remédio e, confiantemente, esperar que ela passe. Cada vez que pensamos: “Aiii! Esta maldita dor não passa!” e ficamos impacientes, a cabeça lateja fortemente e a dor imediatamente aumenta. É quase como um alarme, um aviso de que esse não é o modo de proceder, de que é justamente isso que intensifica a dor.
Ao contrário, quando podemos nos apropriar do nosso sofrimento, seja ele físico ou emocional, e dizer para nós mesmos: “OK, está a ocorrer isto comigo. Estou a sofrer, mas estou aqui para fazercompanhia a mim mesmo. Não vou abandonar-me diante desta dor.”, iremos nos sentir mais leves e livres para o transformar.
Uma vez que aprendemos a nos responsabilizar pela maneira como lidamos com o sofrimento, passamos a entender que não precisamos de nos tornar vítimas dele.
Tornamo-nos vítimas do sofrimento quando não o aceitamos e lidamos com ele como se ele estivesse fora de nós, projectando, assim, a causa de nossa dor nos outros. Acolher o nosso sofrimento é o único modo de sair do ressentimento e das projecções. Quando fazemos isso, sentimo-nos mais tranquilos e seguros, pois, como diz Lama Gangchen ao final da prática de meditação Auto Cura Tântrica: “Não existem mais inimigos”. É preciso ter empatia por nosso sofrimento: ter compaixão por ele, isto é, despertar um interesse genuíno por o conhecer e querer transformá-lo.
Tara Bennett-Goleman, psicoterapeuta americana, alia a psicologia budista à psicologia cognitiva. Neste método, o paciente aprende a identificar os seus esquemas - padrões emocionais inadaptados - e a transformá-los por meio da meditação budista de plena consciência. Ela escreve no seu livro Alquimia Emocional: “Não apenas como terapeuta, mas também no meu trabalho interno pessoal, aprendi que é importante compreender como cada pessoa vivencia e interpreta uma situação, e sentir empatia pela realidade simbólica dessa pessoa. Quando a parte da pessoa que se identifica com a realidade do esquema sente que está a receber empatia, ela pode começar a abrir-se a outras perspectivas, o que inclui começar a perceber como a lente do esquema distorce as suas percepções e reacções."
Se não formos empáticos com o nosso sofrimento, poderemos buscar esta empatia no reconhecimento alheio. Ou seja, muitas vezes, sem nos darmos conta, alimentamos o sofrimento por meio de lamentações que nada mais são do que tentativas de sermos reconhecidos, pelos outros, por aquilo que estamos a passar. Mas, de facto, este reconhecimento pouco nos ajuda. Será ao sentir compaixão por nós mesmos, que conseguiremos parar de nos lamentar e decidir, de facto, fazer algo para sair do sofrimento.
Fonte: Texto extraído do “O livro das Emoções - Reflexões inspiradas na Psicologia do Budismo Tibetano” de Bel César, Ed. Gaia.
Fiquem bem
"
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